segunda-feira, 30 de setembro de 2013

A Literatura Fantástica

Diálogo aberto a pedido da aluno Angélica Moreira, ostensivo a todos os interessados.

A Literatura Fantástica possui dinâmica intrincada com o próprio conceito de literatura. A criação desse subtipo reporta a alguns problemas que precisam ser vencidos, para que se possa de fato entender a noção de fantástico.

A literatura tem como cerne o deslocamento do referente histórico para um referente construído mais longe ou mais perto da realidade empírica, porém sempre em diálogo com ela. Aristóteles considera que a poesia (p. ext., literatura) não diz o que é, mas o que pode ser. Dizer o possível, mas não o possibilitado-realizado, então, é a missão da literatura. A possibilidade que não se tornou a conformação histórica, disso é que trata a literatura.

Aquelas mais próximas do real histórico, isto é, as que possuem estreita verossimilhança, ou, em outras palavras, apresentam proximidade acirrada com o real histórico são chamadas de obras realistas. Então o Realismo é o subtipo literário que abrange as obras cujo espelhamento com o real é intenso - provocando a ilusão de que se apresenta um relato histórico extra-oficial ou desimportante no interesse de historicizar a trajetória humana. De modo que, por exemplo, há quem indague se Policarpo Quaresma existiu de fato: afinal ele esteve no Palácio da República várias vezes tentando a moção a favor do tupi como idioma nacional. Quanto mais longínquo se torna o passado, mais tentador se torna pensar na existência histórica de personagens como El Cid e Rei Artur, de modo que hoje se vive a controvérsia sobre a verdadeira natureza dessas figuras.

A Literatura Fantástica, em princípio, está diametralmente oposta ao Realismo, visto que seu fundamento é a subversão das regras concernentes ao sistema natural, que também rege o sistema histórico.

A principal dificuldade em se abordar adquire dupla face: de um lado, o elemento constitutivo da literatura fantástica é também constitutivo da literatura em geral; de outro lado, a simples dicotomia entre realismo e fantástico não esgota a questão, pois existe uma modalidade de fantástico que se manifesta no realismo (obras cuja mímesis é próxima demais do histórico).

Então há dois caminhos igualmente coerentes, porém totalmente divergentes. O primeiro modo de entendimento assinala que a violação do sistema natural ainda é a melhor definição da literatura fantástica, pois nem todo sistema fictício precisa violar o natural: pode-se elaborar outro sistema, ignorando o natural, embora não se possa ignorar a referência primária (originária) ao empírico. O segundo modo de entendimento explora justamente o paradoxo que sustenta o primeiro caminho interpretativo: ora, se não podemos ignorar completamente a referência remota ao empírico, nem muito menos preservá-la inteiramente, toda literatura tem certo grau de realismo e certo grau de fantasticidade. Aliás, se não me falha a memória, essa é a primeira discussão que Todorov faz no seu antológico livro, mas não a desdobra o suficiente para resolver o problema: afinal, toda literatura é fantástica ou existe um subtipo assim determinado?

Muitos autores, fugindo a esse questionamento, alegam que a literatura fantástica só poderia ser identificada no romance e correlatos (antigo gênero épico, hoje chamado "prosa"). Por quê esse álibi? Ora, se o romance é, por excelência, o gênero da mímesis, então a alteração do sistema natural/histórico se constitui violação, isto é, sempre corrompendo o sistema, mas nunca o substituindo o espelhamento por outro sistema especulado. Em outras palavras, a relação entre história e ficção continua intensa, mas algum elemento surge como incoerência que, mesmo fora de qualquer coerência, se instala de alguma maneira.

Consulte esses links que selecionei sob o critério de prestígio das instituições que os disponibilizam:

(O CPLetras não se responsabiliza pelos direitos autorais, pois são responsabilidade dos hospedeiros)

Introdução à Literatura Fantástica - Tzvetan Todorov

O Fantástico e a Fantasia - artigo

O insólito como criatividade da realidade - Manuel Antônio de Castro

Me parece um bom começo para um diálogo. Recomendo a leitura do último texto, para uma compreensão mais apro-fundada sobre o fantástico/insólito.